O terroir (se fala terruá) parece um daqueles conceitos pomposos trazidos por franceses metidos à besta para o Brasil. E até tem origem francesa, mas é um importante conceito que vem — com outros nomes — dominando o cenário gastronômico brasileiro.
Ele afeta como os restaurantes bolam seus cardápios, suas cartas de vinho e como produtores artesanais fazem ou vendem seus ingredientes. Tudo isso você irá conferir em detalhes neste material, mas aqui o resumo da ópera sobre o que você vai encontrar:
- O significado do termo terroir de um jeito fácil de lembrar;
- Como o terroir vai muito além do chão onde se planta;
- A relação entre o terroir, indicação geográfica e denominação de origem
- e como ele afeta muito mais que o vinho que você bebe.
Boa leitura!
O que é terroir?
A palavra tem origem francesa e fica um pouco mais fácil de entender seu significado a partir de como a própria palavra é formada. O radical ‘terr’ resgata tudo que é relacionado a exatamente o que parece: terra.
O terroir é um conceito, originalmente francês e por isso tão presente na gastronomia internacional, que coloca a terra — aqui como um espaço tanto geográfico como cultural — como fator importante na formação de sabores e saberes de ingredientes culinários.
Veja alguns usos comuns do termo:
- Especialistas em café muitas vezes discutem o terroir quando analisam por que os grãos de diferentes regiões têm sabores distintos.
- O terroir das montanhas alpinas contribui para o sabor característico deste queijo, influenciado pela flora local que as vacas consomem
Em ambos os casos, estamos falando sobre as características do solo e clima de uma determinada área (terroir) que influenciam diretamente no sabor dos ingredientes.
Confusão comum no uso do termo terroir
É muito comum que usem o termo terroir para designar apenas um espaço físico onde é produzido determinado ingrediente. Isso faz parecer que apenas os nutrientes do solo é que determinam o terroir de uma área.
Terroir vai muito além do solo.
Inúmeros fatores afetam como plantas e animais se comportam. Assim, afetam diretamente o resultado de sua estrutura orgânica, seus frutos e derivados. Entre eles, a própria influência humana.
Pense mais em terroir como “território gastronômico”. E diversas características formam a identidade de um território, como por exemplo:
- a composição mineral do solo;
- as bactérias e fungos presentes no ecossistema (elas são responsáveis desde a formação de cogumelos à produção de nitrogênio por leguminosas ou os sabores de um queijo, por exemplo);
- a topografia da região (pode parecer exagero, mas até mesmo a maior ou menor presença de vento influencia no resultado de cultivos);
- clima e microclima;
- espécies que são mais cultivadas na região
- cultura do povo que ali mora, assim como sua história e suas tradições.
Um exemplo disso é o tomate San Marzano cultivado na região próxima ao vulcão Vesúvio (na Itália).
Os tomates não são plantas originadas da Itália (na realidade tem origem nas américas) e a espécie San Marzano é cultivada em todas as partes do mundo (inclusive no Brasil). Porém o tomate San Marzano cultivado aos pés do Vesúvio se adaptaram a composição mineral gerada por milênios de erupções.
É claro que apenas o solo não faria diferença. Poderíamos, com certa dificuldade, remover parte da terra ou até mesmo imitá-la em outra região. A questão é que o tomate é um xodó dessa região e é utilizada por gerações pelas famílias locais — que possuem tradições próprias de como manejar o solo e preparar os tomates.
Então perceba que o terroir envolve dado território tanto fisicamente quanto culturalmente.
Terroir, denominação de origem e selo de indicação geográfica são a mesma coisa?
A resposta curta é: não.
Mas todas estão relacionadas. Pense no terroir como um conceito e os selos de indicação geográfica (denominação de origem é uma dessas certificações) como a formalização legal.
Os selos de indicação geográfica existem para combater falsificação de produtos.
O terroir costuma fazer os produtos de certas regiões muito mais valorizados (principalmente quando falamos de queijos e vinhos) e isso faz com que inúmeros produtores façam imitações.
Por vezes essa prática é meramente por falta de informação dos produtores que não entendem a amplitude do conceito de terroir. Porém há casos em que realmente é má fé de um vendedor.
Para adquirir estes selos de indicação geográfica, e neles se incluem tanto os de denominação de origem quanto a indicação de procedência, um produtor precisa seguir inúmeras regras. Elas envolvem o manejo dos cultivos ou animais, quantia de ingredientes usados na produção, técnicas de conservação e até mesmo embalagens. E por aí vai.
Essa é a diferença de quando você vai em um mercado e acha o produto “queijo canastra” e “queijo TIPO canastra”. A segunda nomenclatura já indica que o queijo pode até apresentar sabores e aparência semelhantes, porém não tem origem no terroir original — que, no caso, é a Serra da Canastra.
Quais alimentos são influenciados pelo terroir?
Basicamente todos.
Lembro de ter assistido a uma palestra do Alex Atala em que ele demonstrou ao público como até mesmo a origem da água influencia em um preparo. Nela, ele apresentou diferenças de coloração e sabores entre tomates e ervas mergulhados em uma água ou em outra (com origem de rios diferentes).
Não me lembro exatamente qual foi o fator determinante, mas acredito que seja a composição de minerais e (principalmente) o nível de pH. Afinal, a formação de um rio se dá por minas de água que escorrem por córregos e cachoeiras (levando consigo inúmeros nutrientes).
É só um exemplo, mas existem inúmeros outros mais conhecidos como o chocolate, o vinho (a partir da variação nas uvas), os queijos e os embutidos.
Perceba que nesses exemplos acima, todos são resultados de processos de fermentação. É um dos fatores onde o terroir mais influencia na produção de alimentos: as bactérias.
Elas variam muito de uma região à outra. É isso que explica por que as mesmas receitas de queijos e salames geram produtos completamente diferentes de um país para outro.
Deixo abaixo o começo de um dos episódios do projeto Eterno Enquanto Dure. É um trabalho incrível de pesquisa e registro (no melhor estilo Chef’s Table tupiniquim) sobre queijos locais da região de Sâo Paulo e Minas Gerais.
Referências:
- “Ingredientes com terroir vulcânico entram em pizzas”, matéria de Livia Breves para O Globo.
- “O que é Terroir?”, texto da redação da Wine.
- “Diferença entre Denominação de Origem e Indicação de Procedência”, texto da redação da Sensory Business.