A curva ABC é uma ferramenta cujo nome e visual podem assustar os desavisados, mas é um dos recursos essenciais para quem começou a registrar os números do restaurante e ainda não sabe direito o que fazer com eles.
Além de ser um dos principais assuntos que garantiu o meu diploma em gestão na faculdade (foi parte da minha monografia), eu usei bastante essa ferramenta assim que aprendi a como trabalhar com grandes volumes de dados de estoques.
Com o tempo, aprendi a usá-los também em diversas outras áreas dos restaurantes em que trabalhei: na hora de comprar os insumos, de escolher de quem comprar, como planejar o cardápio e até mesmo a ordem em que eu organizava sacos e latas no meu estoque.
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Parece muito técnico e matemático, mas é só questão de organização.
E é isso que vou te mostrar neste conteúdo: o que é a curva ABC, como utilizá-la e por que você deve usá-la no seu restaurante.
O que é a curva ABC?
A curva ABC é uma ferramenta para organizar e classificar informações. Pura e simplesmente.
É importante entender e guardar essa informação, por ser uma evolução natural da etapa em que você começou a registrar dados como:
- a lista de matéria-prima que você compra todos os dias, semanas e meses;
- quais são os pratos ou produtos que você mais vende;
- já começou a elaborar e planilhar suas fichas técnicas;
- o levantamento do seu estoque;
- e, se você é do tipo que anota TUDO, a produtividade de cada um dos membros da brigada da sua cozinha.
A curva ABC é a ferramenta que vai pegar esses números e transformá-los em informação útil, o que vai te ajudar a tomar melhores decisões.
A importância de registrar dados do seu negócio
Você não precisa ser uma máquina e conseguir registrar todas, e nem a maioria, dessas informações que mencionei acima. Porém, se você começou a mapear alguma coisa no seu restaurante e eles envolvem números, a curva ABC vai te ajudar.
Da mesma forma: é impossível pensar em usar curva ABC se você não tem hábito de registrar números.
E se você não tem, volte duas casas e comece a fazer. Liderança de uma brigada de cozinha que não tem seu caderninho ou suas planilhas, tá fazendo errado!
Sei muito bem que é difícil, principalmente quando você começou agora, a sair fazendo ficha técnica e planilha elaborada de tudo.
No mínimo, você precisa ter um caderninho de mão anotando coisas como quanto você usa de arroz, quantos gramas tem a porção de filé que você serve e quanto você compra de verduras toda semana.
Sem esse tipo de informação, sinto lhe dizer, você não vai sair do lugar.
E como funciona a curva ABC?
A curva ABC utiliza a ideia de um italiano chamado Pareto. O cara, lá em 1896, percebeu um detalhe: 20% das plantas eram responsáveis por 80% dos frutos.
Beleza, parece uma coisa meio ordinária, né? Mas aí ele percebeu que essa proporção se aplicava a outras coisas mais complexas como a concentração de riquezas. Alguns anos mais tarde, como sociólogo, ele constatou que 80% das terras do país pertenciam a somente 20% das pessoas.
O que parecia só uma impressão ou (superstição de numerologista) logo foi resgatada por um economista chamado Joseph Moses Juran anos depois. Foi quando acabou caindo nas graças da gestão.
É uma lógica onde você pode assumir que:
- 80% dos lucros de uma empresa vem de 20% dos clientes
- 80% das reclamações são feitas por 20% dos clientes
- 80% das falhas numa linha de montagem vem de 20% dos processos
Essa proporção 80/20 é o que chamamos de “regra de Pareto” e é o fio condutor da Curva ABC.
Aqui, nós pegamos todos os dados que você registrou, os organizamos e identificamos quais deles representam os “80%” e quais representam os “20%”.
Então por que se chama “curva ABC” e não “curva de Pareto”?
É porque seria inocência demais achar que os números sempre vão funcionar exatamente assim, na proporção 80/20. A realidade das coisas é próxima, mas não exatamente assim.
O que você precisa guardar é que a grossa maioria dos resultados vem de uma origem bem pequena. Assim como os problemas: a maioria deles vem de um punhado de falhas na forma como você faz as coisas.
A proposta da curva ABC é identificar isso no seu negócio e identificar coisas como: quais são os poucos pratos que dão a maioria do seu lucro? Quais são os insumos que ocupam a maioria do seu estoque? Quais são os fornecedores onde você é dependente da maior parte dos itens essenciais?
Para fazer isso, classificamos esses dados em categorias A, B e C:
- Classe A: são os itens que não somem ou acabam sem você perceber, porque são muito importantes. Geralmente eles correspondem, em média, a 80% do valor total, mas são 20% dos itens que você avalia. Exemplos aqui são as carnes, que custam muito caro, mas são somente uma fração do total de itens que você guarda no estoque.
- Classe B: são os de “meio de campo”, já que não costumam corresponder a 15% do dinheiro que você movimenta, mas são geralmente 30% dos itens que você avaliou.
- e, por fim, os de Classe C: os quais são os itens menos importantes na sua avaliação. Eles geralmente aparecem em grande quantidade (podem chegar a metade dos itens do seu estoque, por exemplo, como o arroz), mas não correspondem a uma fração do valor total em dinheiro (menos de 5% do total).
Depois que você organiza os dados assim, fica mais fácil priorizar. Primeiro você concentra suas decisões nos produtos de classe A (negociando com fornecedores, criando controles mais rigorosos de saída do seu estoque, buscando alternativas ou marcas mais baratas, incentivando pratos que usem outros ingredientes, etc.). E só depois, em ordem, você busca soluções para seus problemas com os itens classe B e C.
Isso evita que você quebre a cabeça com itens ordinários com sal enquanto suas finanças sangram com falta de boas decisões na compra de proteínas, por exemplo.
Como organizar os dados e usar a curva ABC
Com o tempo, vou ensinar a usar a curva ABC em outros casos, mas basicamente você precisa seguir estas etapas:
- registre os seus dados: nome dos produtos, as unidades de medida que você usa para contá-los (em quilos? Litros? Sacos? Nessa linha), a quantia de cada um, o preço desse mesmo produto, qual o nome do fornecedor e o quanto (em R$) você tem no total de cada um;
- revise os dados e as medidas que você escolheu: o importante aqui é não comer bola em coisas como, por exemplo, anotar que vai medir em quilos e registrar os valores medidos por caixa;
- comece a calcular a proporção: é aqui que começamos a rascunhar o uso da regra de Pareto, pois você pega o total (em R$) de cada produto e divide pelo total GERAL (também em R$) que você tem na lista que você levantou — aqui os números aparecerão em decimal (como 0,2) ou em % (20%), a depender da planilha ou calculadora que esteja usando;
- classifique: a partir disso, você já conseguirá enxergar quais produtos correspondem à mais ou menos que 20% do total em valor do seu estoque e então você pode classificá-los (em A, B e C) conforme mencionamos antes.
Parece muito complicado, mas a verdade é que basicamente é pegar a lista de inventário que você geralmente já faz do seu estoque e criar uma coluna extra na tabela para marcar o quanto daquilo corresponde ao total.
As vantagens de usar a curva ABC nas suas tomadas de decisões
Nem sempre organizar os dados e usar a curva ABC será um trabalho de formiguinha, detalhista, como parece.
Na prática, é só você botar seus dados numa planilha de Excel/Google Sheets ou — se você usa algum software de monitoramento de estoque como o Tecfood, GenialNet, Consumer, Saipos, etc. — e pedir que ela faça esses cálculos para você.
O importante ao estudar essa lógica (que ensinei aqui em cima) é entender como sua curva ABC é formada e como usá-la. Afinal, ela é essencial para você estudar coisas muito importantes para a saúde financeira do restaurante como:
- quais são os tipos de matéria-prima que você deve dedicar mais esforço: seja no rigor do controle do estoque, na negociação com os fornecedores ou até mesmo na mudança dos seus cardápios;
- sua dependência de fornecedores: sabendo identificar quais fornecedores representam os itens mais valiosos do seu estoque, para buscar alternativas e evitar que fique sem produtos essenciais (caso ele te deixe na mão);
- quais produtos ocupam maior espaço no seu estoque: isso te ajuda a tomar decisões logísticas, como a frequência de compra desses produtos, em que parte do estoque serão guardados ou até mesmo como os acondicionar;
Agora, se você guardou outros tipos de dados, você pode expandir ainda mais o uso da curva ABC, como, por exemplo:
- identificando os mais competentes da sua equipe: ao planilhar os nomes da sua brigada e o quanto conseguem produzir ou atender, a velocidade com que cozinham ou pré-preparam alimentos, comparando com médias e então encontrando os melhores nomes para promoção;
- planejando seu cardápio: ao planilhar quais são os pratos do seu menu, o custo para produzir, preços e a saída, comparando custos e lucros para definir quais pratos merecem destaque ou quais merecem sair do cardápio;
Aqui vai da sua criatividade. A curva ABC é uma ferramenta extremamente flexível.
Ficou com alguma dúvida sobre curva ABC?
É impossível abordar esse tema tão rápido, mas também não adianta colocar tudo que sei sobre o assunto num único conteúdo e te bombardear com informações.
Por isso filtrei aqui o essencial para entender o que é e como usar as curvas ABC em negócios de alimentação como restaurantes, bares e lanchonetes.
Porém, se você ficou com alguma dúvida, gostaria de alguma planilha para um dos exemplos que mencionei acima ou achou que ficou faltando abordar algum tópico, só mandar aqui nos comentários que venho correndo para te ajudar.
Até!
Referências
- Gestão de processos e fluxo de mercadorias para negócios em alimentação, de Alexandre M. Alves (Editora SENAC-SP)
- Entendendo o princípio de Pareto (a regra 80/20), por Sarah Laoyan no blog da Asana